segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Janela

"Janela, palavra linda.
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada,
janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,
meu pé esbarra no chão.
Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o casamento da Anita esperando neném, a mãe
do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,
clarabóia na minha alma,
olho no meu coração."

Adélia Prado

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

se_te

Ele tinha trauma daquele número, sete anos perdidos em um livro que nunca foi publicado, mais sete meses para realmente realizar o fato de que o conteúdo não se tornaria um bom livro.
Quando a conheceu, não era o mês sete e não demoraram sete meses, dias ou horas para que se encontrassem. Ela era a mulher perfeita (para o que acreditava ser) que em sete meses se tornou seu respiro. Ela havia nascido no dia sete e seu número da sorte... adivinhe?
Hoje ele pensa nela mais de sete vezes por dia.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

silogismo

Sentir-se uma loja de cristais repleta de elefantes.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Conclusão lúdica de desesperos efêmeros

Sentir que a vida é um pacote de jujubas, preso numa jaula por um cadeado grande de ferro, cuja chave foi engolida por um Tiranossauro Rex.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Para mim, amor é igual travesseiro.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Prosopoeia

"As luzentes Estrelas cintilavam,

E no estanhado Mar resplandeciam,

Que, dado que no Ceo fixas estavam,

Estar no licor salso pareciam.

Este passo os sentidos comparavam

Àqueles que d’amor puro viviam,

Que, estando de seu centro e fim absentes,

Com alma e com vontade estão presentes."

Bento Teixeira

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Platonismo didático


-Olá, bom dia a todos!
-Bom dia (em quase coro).
-Sou o professor Eduardo e gostaria muito de...
Enquanto ele falava, Luzia se sentia cada vez mais mergulhada em cada fonema e no que cada palavra pronunciada significava. Ele era a personificação de uma caixa mágica repleta de coisas perfeitas, fechada com ‘silver tape’ onde tudo de algum modo cabia nele, todavia, Luzia não.

sábado, 31 de julho de 2010

diálogo matinal

- Saudade da Maga me lambendo o rosto de manhã.
- Com aquele bafo de jararaca seca?
- Não, é bafo de coruja seca!
- E bafo de sagui apaixonado?
- É de baunilha.
- Você já viu um sagui apaixonado?
- Já, apaixonado por mim.
- Ah é?
- É, um dia eu te apresento.
- E onde ele mora?
- No coração da minha mãe.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Testamento

Sabe, talvez eu morra amanhã ou agora escrevendo esse texto. Então, gostaria de deixar bem claro que tenho vivido de modo intenso, deleitoso e sincero, dentro daquilo que acredito.
Das gavetas que precisei construir, durante todos esses anos, não há um dia que eu não abra uma ou outra para olhar as jóias que guardei.
Realmente me sinto feliz com tudo aquilo que vivi e com tudo o que vivo hoje.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Sintaxe

O dígrafo ocorre quando duas letras são usadas para representar um único fonema.
Ex: rr
Amarrar
Arrebatar
Socorrer


segunda-feira, 19 de julho de 2010

A sensação de amar e ser amado deve ser como afundar em uma piscina de marshmallow.

terça-feira, 13 de julho de 2010

'Eu queria crescer pra passarinho...'
Manoel de Barros

sábado, 26 de junho de 2010

Estância

Arnaldo fitou a garçonete que já sabia o pedido com um simples piscar de olhos, calda de sorvete em bife de contra-filé com farofa de pinhão, sua refeição predileta. Alice achou o prato peculiar, mas preferiu calar. Observava os gestos dele, que já conhecia há anos, como se fosse a primeira vez.
Depois do pedido ele voltou a seu livro de anatomia, na página sobre reprodução das sereias. Imaginava-a com uma calda de peixe, guelras e um canto encantador ao fundo. -Ela seria capaz de ser mais interessante que isso? -Não, impossível. Pensou.
Arnaldo aceitava uma namorada não-sereia, Alice aceitava um namorado com hábitos estranhos. O que os dois não aceitavam era o fato de ainda não terem sido apresentados.

domingo, 13 de junho de 2010

xaveco junino

'Porque você não vem na quermesse do meu coração?'

domingo, 6 de junho de 2010

Pôr escrito

Sentada de frente pro caderno com o lápis em uma mão e a borracha na outra, escrevia e apagava. Fazia uma pausa, pensava mais um pouco. Escrevia e apagava.
- Já sei!
- Sabe?
Balançou a cabeça, afirmando.
- Vou escrever a primeira frase no seu braço. Quando apagar, você volta pra eu escrever a outra.
- Mas, não era pra ser um livro?
- Vai ser.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

'Mesmo sem compreender, quero continuar aqui onde está constantemente amanhecendo.'
Caio Fernando Abreu

terça-feira, 18 de maio de 2010

do cão-aspirador

era manhã de sol e lá estava ele me observando com aqueles
olhos puxados na espera de um sinal que o dissesse que era
a hora do despertar com uma piscada ele saltava na cama
e com toda a força sugava tudo o que na noite havia me
punido trazendo cócega e gargalhada carregando meu
'tanque' para o resto desse dia gastando todas enfim

domingo, 16 de maio de 2010

do homem-picolé

Observava-o enquanto dormia
só esperando o calor bater
pronta para beber tudo
quando ele derretesse

domingo, 9 de maio de 2010

Luca e Pablo

De castigo no quarto, escorado na janela enquanto via os garotos da rua empinando pipa, Luca fazia bonequinhos de massinha: uma foca laranja de nariz vermelho com três olhos amarelos, um pássaro preto, porque urubus são contra as regras, e um jacaré verde, afinal, não se pode ser rebelde sempre.
Bastou três minutos para descer as escadas, tropeçar no tapete da porta, pegar o biscoito na cozinha e subir as escadas de novo para que sua alegria matinal acabasse ao adentrar o quarto. Pablo, seu cão, havia abocanhado toda a sua fauna multicolorida, restando apenas o rabo do pássaro preto. Sem hesitar Luca virou o cão de cabeça para baixo balançando-o, assim, tudo sairia facilmente. Depois de mais de cinco minutos fazendo isso, vendo que não obtivera sucesso, o garoto largou o animal e pôs-se a chorar sem parar. Jogou as meias e tudo que havia no tapete e insultou o cão com palavras feias, mas Pablo só lambia os beiços e mantinha o olhar fixo no menino chorão.
Luca irado olhou para o cão e gritou: - Saia daqui, agora! Você matou todos os meus novos amigos. Abriu a porta e chutou Pablo para fora.
Ainda no chão, abriu os braços afundando-os nos pelos do tapete, olhou para a porta e sentiu um arrependimento que fazia doer o coração por ter sido tão rude com Pablo. Passou muito tempo olhando para o teto pensando em como a foca, o jacaré e o urubu, agora sem rabo, estavam se saindo lá dentro e imaginou com uma vontade extremamente forte como seria estar dentro da boca de um dinossauro, um lugar onde não pudesse se frustrar e tudo fosse quentinho como colo de mãe.
Um barulho trouxe Luca de seu devaneio. Ele se deu conta de que ficara muito tempo ali naquela posição e correu para a porta, que Pablo arranhava chamando por ele. Quando abriu se deparou com uma meleca que tinha quase todas as cores do arco-íris e com Pablo deitado com a boca suja e um olhar de arrependimento. Vendo tudo aquilo sentou no chão, abraçou o cão deitando ao seu lado e com os olhos fechados e apertados agradeceu por não ter um dinossauro de verdade.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Carta


É, havia dito que não lhe escreveria mais. Prometemos respeitar seu tempo, mas hoje estive no pomar colhendo laranjas, por volta das seis horas quando o sol já descia, e tudo aquilo recordou você.
Resolvi fazer uma torta que fosse diferente daquela que você tanto gostava. Pego o livro de receitas todo sábado à tarde e com os olhos fechados vou tateando a capa com relevos daquele livro azul que herdei da vovó, abro em uma página aleatória e espero que ele me surpreenda. Desde que você partiu a página era sempre a mesma com “Tortinhas de ovo ao forno”. Há mais ou menos um mês que resolvi passar cola na página sete fazendo com que ela se unisse a oito, por isso mexi na sua gaveta, me desculpe, mas era você quem tinha essas coisas de papelaria em casa e eu realmente precisava fazer algo. Da última vez que nos escreveu eu já havia feito isso e percebi que página nula alguma me faria apagar o que tivemos.
Aquela foto do porta retrato na mesa verde, no corredor, que estamos comendo macarronada no quintal da nossa fazenda, ainda arranca sorrisos tímidos. O seu cabelo com aquele aspecto engraçado balançando no vento me fez lembrar a viagem de acampamento que nunca fizemos, mas que nos fez perder horas sonhando na possível pedra pertinho das ondas onde esperaríamos papai chegar de barco. Ilusão. Ele sim, se fez ausente na lembrança. São suas cartas que o trazem de volta a mente.
O Tim mordeu seu pijama e só fui descobrir quando pisei em um trapinho dele, com aqueles losangos vermelhos, jogado no tapete da sala. Não se zangue, talvez ele tenha saudade.
Escrevo pra dizer que não vou tirar mais nada da sua gaveta, porventura talvez eu use-a se precisar guardar algo.
Estou tentando fazer tortas novas e espero que você encontre alguém que faça uma torta melhor que a minha.
Mamãe sente sua falta,
Bela.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Jas'mim'

As 8:46 ela sentava perto da máquina de café e debruçava-se no balcão, diariamente. Conforme ordens do meu patrão, eu ligava a vitrola com o vinil dos Stones exatamente as 9:00. Enquanto a música não começava, ela se mantinha imóvel, como se tivesse semeado ali mesmo há uns 10 anos. Algumas vezes cheguei a observar pelo máximo de tempo que eu conseguisse sem piscar, assim não perderia nenhum movimento, entretanto, ela permanecia como árvore sem vento. As 9:34 começava a tocar "All about you", ainda no lado A. Então, finalmente ela erguia a cabeça com os olhos inchados e marejados e pedia chá de jasmim numa xícara grande e dois guardanapos, sem torrões de açúcar. Esse ritual foi constante durante os 5 anos que trabalhei naquele café, ela se fazia tão concreta e pontual em minha rotina que já me peguei pensando no dia em que ela não aparecesse.
No dia 30 de março de 1984, acordei com náusea, dores e um mundo gigantesco e pesado sobre meus ombros. Definitivamente, não sairia de casa. Liguei no café para avisar que não trabalharia e no fim da ligação enfatizei: -Aurora, não esqueça de ligar a vitrola. Nove horas, entendeu? Nove horas! Ela respondeu com uma afirmação. Voltei a deitar e em quinze minutos estava em pé, vestido e com as chaves na mão. Parti as 8:32, cheguei no café as 8:58, liguei a vitrola e voltei pra casa.
Antes de sair, me despedi com algumas palavras no segundo guardanapo, aquele que ela nunca usava mas passava a música inteira a olhar até que eu mudava para o lado B e ela se despedia com um aceno.

domingo, 28 de março de 2010

chuva

Era papel picado caindo do céu. Abri a boca e devorei incessantemente o que pude, tinha gosto de reciprocidade
e textura de reciclagem.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Aparando agudos

Da janela via o ipê triste, tinha a impressão de um pedido de súplica ou um abraço apertado, como se ele aguardasse alguém durante anos, todos os dias, no mesmo lugar e horário. Quando florescia e perdia todas as folhas, eu chegava a pensar que estava próximo da chegada desta incógnita, mas sem demora ele ganhava aquele ar de abandono.
Na casa ao lado, há pouco tempo, havia mudado um casal e sua filha de três anos. A menina pediu ao pai para que colocasse um balanço no ipê, que sempre esteve tão só. Ela tenta ser sempre presente, salvo nos dias de muita neve ou chuva, e chega a passar horas balançando, olhando para as flores como se estivesse flutuando e o ipê retribui lançando pétalas, extirpando sorrisos dela.
Eu, já não sei se a primavera me pareceu durar mais tempo do que deveria ou se é o ipê que finalmente recebeu o alguém tão insistentemente esperado.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

a troca

- Eles parecem cinza daqui. Ela teimava em dizer, certa de que aquilo nunca funcionaria, mas Clara, insistente, acreditava:
- Pare de teimar.
- Não vai dar certo! Os meus óculos são perfeitos para o meu problema. Como os seus seriam melhores?
- Acredite em mim?
- Está bem.
Fizeram as trocas (silêncio).
- Você tinha razão, os filhotes são cheios de pintas e coloridos, que lindos!
- Eu, já não posso dizer o mesmo.