quinta-feira, 29 de abril de 2010

Carta


É, havia dito que não lhe escreveria mais. Prometemos respeitar seu tempo, mas hoje estive no pomar colhendo laranjas, por volta das seis horas quando o sol já descia, e tudo aquilo recordou você.
Resolvi fazer uma torta que fosse diferente daquela que você tanto gostava. Pego o livro de receitas todo sábado à tarde e com os olhos fechados vou tateando a capa com relevos daquele livro azul que herdei da vovó, abro em uma página aleatória e espero que ele me surpreenda. Desde que você partiu a página era sempre a mesma com “Tortinhas de ovo ao forno”. Há mais ou menos um mês que resolvi passar cola na página sete fazendo com que ela se unisse a oito, por isso mexi na sua gaveta, me desculpe, mas era você quem tinha essas coisas de papelaria em casa e eu realmente precisava fazer algo. Da última vez que nos escreveu eu já havia feito isso e percebi que página nula alguma me faria apagar o que tivemos.
Aquela foto do porta retrato na mesa verde, no corredor, que estamos comendo macarronada no quintal da nossa fazenda, ainda arranca sorrisos tímidos. O seu cabelo com aquele aspecto engraçado balançando no vento me fez lembrar a viagem de acampamento que nunca fizemos, mas que nos fez perder horas sonhando na possível pedra pertinho das ondas onde esperaríamos papai chegar de barco. Ilusão. Ele sim, se fez ausente na lembrança. São suas cartas que o trazem de volta a mente.
O Tim mordeu seu pijama e só fui descobrir quando pisei em um trapinho dele, com aqueles losangos vermelhos, jogado no tapete da sala. Não se zangue, talvez ele tenha saudade.
Escrevo pra dizer que não vou tirar mais nada da sua gaveta, porventura talvez eu use-a se precisar guardar algo.
Estou tentando fazer tortas novas e espero que você encontre alguém que faça uma torta melhor que a minha.
Mamãe sente sua falta,
Bela.