quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

.Impressão.

Fim de tarde sentada na cadeira da minha escrivaninha, as pernas dobradas, queixo apoiado no joelho,... olho pra baixo e vejo uma fotografia antiga que caiu de um livro meu enquanto fazia a arrumação da manhã. Nela vejo meus pais abraçados ainda jovens em sépia, apaixonados. Os dois vestem branco e minha mãe apoiada nos ombros dele, um homem grande, com a cabeça encostada em seu peito. Aquela fotografia me levou a lugares meus que jamais havia habitado, trouxe um riso, um choro, levou embora minhas angústias e dois segundos depois trouxe inúmeras novas. Pensei no amor extinto do meu clã que um dia sonhou em eternidade, em dois num só, em mim, em vida, animais, morte unida.
Sinto que desde a separação até hoje minha mãe não é mais inteira, e da última vez que vi meu pai, ao pronunciar o nome dela disfarçou a mágoa com uma feição de ira. Contudo, nada me impede de enxergar a dor da frustração, de algo que nasceu, cresceu, se multiplicou e desmoronou... e sentir isso dentro da minha mãe, olhando pra ela e vendo a tristeza transbordando até mim, me faz aceitar em deixar ressentir o que um dia em minha vida também não funcionou, desmoronou. Todo mundo uma hora parte, mas a parte que fica de todo mundo completa um pouco do que não nasceu em nós.
Sabe, já faz muito tempo que não vejo meu pai, que não sei mais o cheiro dele e o seu jeito tosco de fazer piadas cínicas contagiando até o mais mal-humorado com uma gargalhada. Mas o que ele é, foi e será é parte da minha lembrança... aquela das minhas noites antes do sono quando fecho os olhos e lembro que ia ganhar um beijo, um carinho no cabelo louro escorrido e ele ia me embrulhar como um pãozinho que precisa crescer durante um tempo antes do forno. Talvez eu ainda seja pãozinho cru, crescendo e esperando o afago de fim de noite... e quem sabe um dia eu entenda que isso só deve existir na tela das minhas pálpebras, como um filminho que todos deixam em nós quando passam em nossas vidas.